Por Bruno Belem, Advogado, mestre em Ciências Jurídico-Políticas e Procurador do Estado de Goiás

Dirigentes de Goiânia e representantes do setor imobiliário discutem as propostas de modificação do Plano Diretor. O grupo de trabalho que foi formalmente constituído por decreto tem até o dia 19 de maio para elaborar relatório final com sugestões de adequação ao projeto. Neste contexto, algumas associações de bairro da capital e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo pediram um lugar à mesa, como noticiado pelo POPULAR. Se as discussões estivessem sendo realizadas por videoconferência, poderia ser dito que elas buscam um espaço na tela. 

A justa reivindicação está relacionada à gestão democrática da cidade. A expressão já está por demais desgastada, mas carrega consigo uma ideia muito poderosa, a de que a cidade deve ser resultado de um processo de planejamento, execução e acompanhamento que envolva a participação da sociedade civil.

Existem mais de uma dezena de rebuscados dispositivos legais que comprovam a necessidade de participação de associações representativas da comunidade no processo de desenvolvimento urbano. As normas vão desde a Lei Orgânica, passando pela Lei de Processo Administrativo, até o Estatuto da Cidade. Por outro lado, é de se esperar que os debates sejam encerrados, já que discussões intermináveis sem o devido encaminhamento prático não atendem ao interesse coletivo.

A direção da administração pública compete ao prefeito e a seus auxiliares. Em termos jurídicos, diz-se que a eles cabe o exercício da competência administrativa discricionária. Isto é, o gestor público pode decidir de acordo com critérios de conveniência (como fazer) e oportunidade (quando fazer), observados os limites da lei. Por isso, alguns dirão que o prefeito não é obrigado a constituir grupo de trabalho com tal ou qual composição para avaliar as sugestões de adequação do projeto.

Todavia, é razoável supor que, uma vez constituído o grupo, o chefe do Poder Executivo deveria ter garantido a participação equitativa de associações representativas dos segmentos sociais. O grupo de trabalho poderia continuar com a atual composição majoritária de agentes públicos, mas a isonomia deveria ter orientado o critério de seleção dos representantes da sociedade civil. Como medida de justiça, se poderia admitir a participação de dirigentes de associações de moradores, bem como de representantes de conselhos de fiscalização ou de instituições de ensino superior. Assim, o grupo contaria com pessoas dos setores de produção (incorporadores e construtores) e de usuários do espaço urbano (associações de bairros).

Embora a democracia não seja um fim em si mesma, ela é instrumento de concretização dos valores essenciais da convivência humana. Existe uma difícil e por vezes conflituosa relação entre democracia e eficiência. Sob a perspectiva econômica, compartilhar o processo decisório gera custos de transação. De outro ponto de vista, não raras vezes decide-se melhor por meio da deliberação de grupos de formação heterogênea. A lógica, neste caso, está em contrapor os vieses associados a cada grupo de interesse, de modo que, ao final, o agente público produza a melhor decisão possível.

As normas de direito urbanístico existem para qualificar como lícitas ou ilícitas as condutas tanto dos agentes públicos como dos interessados privados. Não é preciso buscar na legislação o fundamento jurídico para se admitir a participação de associações de moradores no grupo de trabalho de análise das modificações do Plano Diretor. Ou seja, não seria necessário saber se a conduta do prefeito é legal ou ilegal. Antes, o valor da gestão democrática, por si só, torna conveniente e oportuna a pretendida colaboração.

Fonte: Jornal O Popular

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