Com a adoção da paridade de gênero e da proposta de equidade racial para registro de chapa nas eleições da OAB, a entidade ganhará ainda mais legitimidade para participar ativamente do debate nacional. O diagnóstico é da advogada e conselheira da OAB-GO, Valentina Jungmann, autora da proposta aprovada.

Em entrevista à ConJur, ela destaca o caráter coletivo da construção da proposta, que teve a participação de integrantes da comissão nacional da Mulher Advogada, de outras conselheiras federais e de mulheres advogadas de outras entidades.

“Nós somos mais de 1,2 milhão de inscritos e, desse número, a metade dos inscritos, praticamente, é formada por mulheres advogadas”, afirma.

A proposta apresentada por Valentina já passa a valer neste ano e deve trazer mudanças significativas e estruturais na entidade. “Para você ter uma ideia, apesar de a OAB ser considerada um sistema presidencialista, nós não temos uma advogada presidente das seccionais em nenhuma das 27 seccionais, e o mais interessante é que se nós olharmos essa história de 90 anos, nós só tivemos nas 27 seccionais apenas dez presidentes de seccionais eleitas”, explica.

Além da paridade de gênero, os conselheiros também aprovaram a aplicação imediata de cota racial de 30% nas eleições. O percentual definido valerá pelo período de dez eleições e já passa a contemplar também as subseções da entidade. Caso a subseção não consiga cumprir o determinado, deverá informar a Comissão Eleitoral.

Leia a entrevista:

ConJur — Como apareceu pela primeira vez a ideia de propor um projeto que estabelecesse paridade?
Valentina Jungmann — Essa ideia de modificação foi apresentada na Conferência Nacional da Mulher Advogada no dia 5 de março de 2020. Eu propus ao vice-presidente da OAB nacional, Luiz Viana, de uma forma bem sintética, a mudança de um percentual mínimo de um mínimo de 30% e máximo de 70% por um único percentual de 50%.

Ele achou a ideia interessante e fez o convite para eu participar dessa comissão do conselho federal e aí eu trabalhei realmente no projeto, com produção, com justificativa, analisando todas as normas internas que deveriam ser alteradas e propondo uma nova redação. Essa comissão aprovou por unanimidade esse projeto e posteriormente ele foi distribuído no conselho federal. O mais impactante é que essas alterações já vão valer para as eleições de 2021.

ConJur — E essa foi uma iniciativa inédita? Pelo menos nesse formato?
Valentina Jungmann — Em vários momentos essa ideia de ter mais igualdade na OAB, mais mulheres na OAB, foi ventilada. Todavia, essa ideia de paridade fundamentada no princípio constitucional da igualdade e a sistematização das mudanças, eu posso dizer que foi algo que tornou realidade um sonho já sonhado, uma ideia já pensada, mas ainda não sistematizada.

Essa é a grande importância do projeto: é pegar uma ideia sem muita burilação e torná-la parte de um sistema normativo; e, mais, apresentar em órgãos colegiados, defender a ideia e obter a aprovação. Então, realmente eu acredito que isso é o grande avanço dessa iniciativa. Essa não é uma vitória ou um avanço que foi obtido de forma isolada.

Destaco a atuação da comissão nacional da Mulher Advogada, que é presidida pela Daniela Borges, mas que tem valorosos colegas na diretoria e como integrantes da comissão. As conselheiras federais também, mas principalmente o trabalho da doutora Clea Carpi, junto com outras comissões de mulheres advogadas nas seccionais, diretoras também da OAB, mulheres, lideranças da Escola Superior de Advocacia, mulheres advogadas fora do sistema OAB. Tem aquele movimento Mais Mulheres na OAB, Advogadas do Brasil, a Federação Nacional dos Estudantes de Direito; então eu digo que essa mudança se deu muito devido ao trabalho de todos em prol de uma única ideia, eu diria de duas ideias, a equidade racial e a paridade de gênero.

ConJur — Em toda entidade que reúne milhares de pessoas  como a OAB , qualquer proposta de mudança é acompanhada de resistência. Que tipo de pensamento foi preciso derrotar para conseguir a aprovação?
Valentina Jungmann — Nós somos mais de 1,2 milhão de inscritos e, desse número, a metade dos inscritos, praticamente, é formada por mulheres advogadas. Então, eu comecei falando do apoio, porque ele foi decisivo, mas também foi algo contagiante, porque contou com o apoio não só de metade da advocacia, mas também de homens advogados que entenderam a proposta humanista do projeto de paridade de gênero e também da equidade racial. Tivemos resistência ao projeto? Sim. E quais eram as principais indagações? Será que nós vamos ter mulheres suficientes, que se interessam? E essas indagações vieram muito de homens que conhecem o sistema OAB, que pertencem ao sistema OAB. Será que as mulheres terão condição econômica de participar da campanha? Então, o que nós dizíamos a essas pessoas que resistiam é que, sim, as mulheres querem participar da política e querem participar da política da OAB.

O projeto enfrentou também essa questão da dificuldade financeira, porque nós sabemos que é regra que todo mundo, mesmo nos países desenvolvidos, que as mulheres ganhem algo em torno de 20% a menos do que os homens.

O sistema eleitoral da OAB não permite que empresas e sociedades comerciais sejam doadoras para campanha eleitoral, assim como se for pessoa física, somente advogado ou advogada que podem fazer doação, e o que acontece na prática é que são os próprios advogados e advogadas que compõem a chapa que acabam arcando com as despesas de campanha. Por isso que o projeto contou com um capítulo, vamos dizer assim, para reduzir os gastos de campanha, como forma, também, de oportunizar que mais mulheres, principalmente as jovens advogadas, a jovem advocacia, participe ativamente das nossas eleições, ou melhor, da disputa dos cargos eletivos.

ConJur — Que tipo de efeito essa mudança terá na advocacia fora da Ordem? A senhora acha que pode, de alguma maneira, promover mais equidade salarial e oportunidades no mercado?
Valentina Jungmann — Eu tenho esperança de que o Conselho Federal, aos seus 90 anos, ao adotar a paridade e a equidade racial, será um farol para outras entidades ligadas ao Direito, operadores do Direito, entidades ligadas à advocacia.

Então eu tenho certeza de que essa atitude da OAB nacional terá influência não só em outras entidades, mas em instituições — e, por que não? — em poderes como o Judiciário, o Legislativo e onde também a participação das mulheres nos cargos e nos espaços de decisão ainda é uma participação não equilibrada.

ConJur — A OAB historicamente é uma entidade comprometida com a defesa dos valores e princípios democráticos. A senhora acredita que, com a paridade racial e sexual, a entidade ganha ainda mais legitimidade para participar do debate público?
Valentina Jungmann — Eu acredito que a OAB, além desse olhar integrativo que o projeto Paridade e o projeto Igualdade Racial propiciaram, deve continuar adotando mecanismos e ações que permitam cada vez mais uma maior e efetiva participação de advogados, de advogadas, de todas as raças, etnias, idades, tempo de inscrição no sistema OAB, até porque dizem, e eu acredito nisso, que a diversidade aumenta o nível de talento; então, na verdade, todos nós, não só a nossa OAB, mas toda a sociedade tende a ganhar com essa maior representatividade de todos esses segmentos.

Então eu acredito, sim, que a OAB vai sair, com a adoção desses projetos, mais fortalecida, mais representativa, e é algo que a nossa entidade precisa, porque se nós olharmos os números a participação da mulher advogada, eles estão muito aquém do nosso número de inscritas. Para você ter uma ideia, apesar de a OAB ser considerada um sistema presidencialista, nós não temos uma advogada presidente das seccionais em nenhuma das 27 seccionais, e o mais interessante é que se nós olharmos essa história de 90 anos, nós só tivemos nas 27 seccionais apenas dez presidentes de seccionais eleitas.

Nós não tivemos ainda uma presidente no conselho federal, na nossa OAB nacional, cuja diretoria atual é formada exclusivamente por homens. Então, nós temos um colégio de presidentes com 27 homens, uma diretoria do conselho federal com cinco homens e temos também a coordenação das caixas de assistência e o fundo de integração de desenvolvimento assistencial da advocacia dirigidos por homens. Recentemente, foram criados três cargos na Escola Superior de Advocacia, e os três cargos são ocupados por homens.

Eu quero deixar bem claro que nós não temos nada contra eles, são muito competentes e capazes, mas nós, as advogadas, também somos, e por isso que a paridade pode, sim, trazer uma nova formação para esses órgãos da OAB a partir de 2021.

ConJur — Com uma OAB mais plural, o pêndulo da atuação da entidade no debate público vai mudar?  Pautas que passam despercebidas podem ganhar importância?
Valentina Jungmann — Eu acredito que essa pluralidade pode trazer novos temas à discussão; ela vai inovar, às vezes no núcleo da discussão, das matérias discutidas, porque isso é inerente à democracia.

Com a participação paritária, de equidade, dos negros, das advogadas negras, a forma da discussão será diferente, ainda que a gente tenha temas como prerrogativas, como mercado de trabalho, como honorários advocatícios, mas eu acredito que nós discutiremos esse tema com maior inclusão, de uma forma talvez até mais ampla.

Os temas essenciais da advocacia continuarão a ser discutidos, priorizados, mas agora com um novo foco, um novo olhar, e por isso que essa inovação é muito importante para todos, não só para a advocacia.

Fonte: Conjur

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